sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Que dança queremos para 2011?

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Inspiro-me no pensamento transgressor do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, de fazer visível o existente, e digo mais: agora, já não é tarefa fácil, e em 2011, um desafio político para nós da Dança, que tivemos, por exemplo, o Plano Nacional da Dança recentemente aprovado.

Se Ceará não é só Fortaleza, e cearense não é só quem vive no interior, logo evitemos ao máximo a parte como o todo e optemos por falar mais “ambiente da dança do Ceará”. Observemos mais o que vem a ser “especificidade da dança” no nosso fazer arte cotidiano como desafio e meta para produzir inteligibilidade dos diversos modos de fazer e pensar a dança em nossas cidades e nos estados para além, e muito além, de pensamentos hegenômicos e colonizadores do que seja dança e arte.

Para isso, precisamos ter uma visão ampla do presente, expandi-lo para abarcar nele muito mais experiência. Ao mesmo tempo, precisamos contrair o futuro, encurtá-lo em seu excesso de expectativas e, assim, prepará-lo para os porvires.

As parcerias são bem-vindas, porém, precisamos de outras informações que atravessem nossas danças e, mais que isso, nosso modo de lidar com a dança, tanto artistas como públicos, justamente para fortalecê-las, segundo vias de mão-dupla. Algo como politizar o discurso, reconhecer o que de fora soa como algo bom (ou não) e como isso soa bem por quem está cá dentro (ou não).

Se, de fato, a capital cearense está sendo vista como um lugar promissor para a dança, é um indício forte de uma luta diária e persistente, de Fortaleza e de todos que fazem dança no Ceará, luta de outrora-agora, que, no entanto,  precisa ser mais crítica, positivamente, para questionar: que dança nos é própria?

O AMBIENTE DA DANÇA DO CEARÁ

Discorrer sobre o que aconteceu no ambiente da dança do Ceará no ano de 2010 necessita desses cuidados, desses pressupostos, dessas decisões, antes de qualquer atrevimento analítico, se a intenção – a das mais boas, porém, com suas limitações – é criar inteligibilidade sem destruir a diversidade, ou seja, compreender nossa realidade para ser possível alguma transformação.

O fato é que a dança cearense complexifica-se a cada ano. Por aqui, muitos comemoram o bom ano onde muita e muita coisa aconteceu. Mas muitos estão ressabiados, por exemplo, com a transição do governo do estado, no que diz respeito aos planos de ação do novo secretário de cultura, Francisco Pinheiro (“Prof. Pinheiro”), que precisa ser comunicado, minimamente, sobre o que diz o Plano Nacional da Dança, dentro do Plano Nacional da Cultura, amplamente discutido pelas câmaras setoriais, não obrigatório para ser seguido, mas é um documento de altíssima importância para elaborar outras diretrizes de ação para as chamadas (algumas, fatídicas) políticas culturais públicas. Visto que muita e muita coisa deixou de acontecer por conta, principalmente, de um diálogo ineficiente com a área da dança por parte da antiga secretaria de cultura do estado, gerida, até então, pelo professor Auto Filho.

Noutro movimento ante esse descaso público estadual, tivemos a sensível atuação de Isabel Botelho, à frente da coordenação de dança da Secultfor, com a retomada do seu edital das artes, nas categorias Manutenção de Grupo e Programa Quarta Em Movimento, inclusive, o bom acompanhamento do repasse de verbas dos projetos contemplados em edições anteriores, ante a dificuldade de gestão financeira por parte da atual prefeitura de Fortaleza. No entanto, não há como desconsiderar as expectativas frustradas com as baixas de algumas ações, como o Projeto Dançando na Escola, amplamente divulgado na imprensa, mas que sofreu de inanição; e, ainda no papel, a Especialização Dança & Educação, em parceria com a Universidade Federal do Ceará, já aprovada mas adiada sem previsão de início.

CEARÁ DE TANTAS E TANTAS DANÇAS

Contrariando uma impressão de que nada aconteceu, cênica e artisticamente, na dança em 2010, podemos perceber o intenso movimento da dança em contextos cênicos de produção artística, o que nos coloca a questão cotidiana: que dança nos é própria na chamada dança cearense nordestina brasileira.

Tivemos dois processos de pesquisa coreográfica apresentados na Mostra Rumos Dança, do Itaú Cultural, em março último, em São Paulo, o de Andréa Sales ("Casa") e o de Andrea Bardawil & Graça Martins ("Graça", este um dos que mais circulou nacionalmente pelo referido programa). Paralelo a isso, Sales estreou o vídeodança documental "A carne não é fraca", em agosto, na Vila das Artes; e Bardawil realizou o encontro presencial "Tecido Afetivo – Por uma dramaturgia do encontro", de 7 a 11 de junho, em Flecheiras, com artistas e pesquisadores do Ceará e do Rio de Janeiro. Ambos tiveram a apoio da Funarte, através do Prêmio Klauss Vianna de Dança 2009, junto com "Sim, Não, Talvez", uma doc-dança da Artelaria Produções, que realizou temporada em dezembro, no Alpendre.

Destaque para a produção de final da segunda turma do curso técnico em dança (IAAC/Senac/Secult), que reverberou local e nacionalmente, como o convite ao espetáculo "Cavalos", de Andréa Pires, Daniel Pizamiglio e Leonardo Mouramateus, para participar do evento carioca Panorama Festival, junto com "Ma vie", de Aspásia Mariana, e "O pensamento se faz na boca", de Luis Otávio, ambos presentes na programação do Circuladança, promovido pela Bienal de Par em Par 2010, pelo interior do Estado. Este mesmo projeto possibilitou outros grupos e artistas, num total de 21, apresentarem-se na regiões do Vale do Curu, Sertão Central e Cariri.

Lembro, em especial, de Silvia Moura, que mobilizou a tão necessária Mostra de Solos e Duos, e, portanto, percebeu já no correr do ano a findar que o desafio principal para o ambiente da dança no Ceará é pensar criticamente a criação artística de dança e a sua relação com o público, ampliando as colaborações com outros estados do Nordeste. E ainda, a Cia Dita, dirigida pelo bailarino e coreógrafo Fauller, a segunda companhia cearense selecionada para a itinerância nacional pelo projeto Palco Giratório, do SESC Nacional, em parceria com suas regionais, que se inicia em abril de 2011. (A primeira foi a Cia Vatá, dirigida por Valéria Pinheiro).


No interior do Estado, a expansão do ambiente da dança pode ser observada em termos de apoios e ações de continuidade. A Associação Cariri e a Alisson Amâncio Companhia de Dança foram premiados pela Funarte em vários editais, como Klauss Vianna, Apoio à eventos, residência artística em artes cênicas (em parceira com a Ana Vitoria Companhia de Dança) e Edital das Artes da Secult-Ce, este com várias candidaturas individuais. O que pressupõe, pensemos, muito trabalho para 2011, que quer dizer, reverberação pela região do Cariri, que é vasta.

No caso de Itapipoca, continua a atuação da Cia Balé Baião pela região do Vale do Curu, com destaque para a participação no II Encontro Terceira Margem / Bienal de Par em Par, com a intervenção urbana “Lamentos e Gozos da Imperatriz de Itapipoca”, com orientação de duas residências artísticas, com Lia Rodrigues (Cia Lia de Rodrigues - RJ) e Marcelo Evelin (Núcleo Dirceu – PI); e a realização da quinta edição da Mostra Performática Intenções, evento que possibilita que os artistas de Itapipoca e da região possam trocar experiências e experimentações em dança. Também na região do norte do estado, especificamente, o litoral oeste, Paracuru afirma a continuidade das ações como a Escola de Dança de Paracuru, em especial, o inicio das atividades do Pontão de Cultura Terceira Margem, com apoio da Petrobrás.
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