quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O movimento é pensar as muitas histórias da dança

Na oitava Bienal Internacional de Dança do Ceará, que teve inicio semana passada, o movimento é fazer o público pensar as muitas histórias da dança.  Nos seus quinze anos de existência, o evento cearense traz na programação obras autobiográficas ou que versam sobre a memória de quem dança.

Como é o caso do espetáculo CEDRIC ANDRIEUX, do coreógrafo francês Jerome Bel, apresentado no último sábado, na abertura da Bienal, no palco principal do Theatro José de Alencar. O título da obra é o nome do bailarino, o que já diz muito nesse nomear uma obra com seu próprio nome. 


Durante 80 minutos, o bailarino Cedric falou sobre os grandes nomes da dança internacional com quem ele trabalhou nos seus vintes anos profissionalmente, como Merce Cunningham e Trisha Brown. A dramaturgia linear e com muito texto falado causou incômodo e certa chatice nas pessoas, por ser algo ainda pouco habitual para um publico que quer ver dança. Mas isso, em certa medida, foi proposital e quem conseguiu ter calma acabou por descobrir a relevância humana desse falar de si.

Vale lembrar que, em 2007, a sexta edição da bienal cearense foi aberta com outro solo autobiográfico de Jerome Bel, com o nome da bailarina carioca ISABEL TORRES, à convite do Festival Panorama de Dança (RJ).

Outro momento emocionante foi ver Angel Vianna, um grande nome da historia da dança no Brasil, ainda atuante nos seus 83 anos de vida, sendo mais de sessenta dedicados à arte da dança e do movimento. No espetáculo QUALQUER COISA A GENTE MUDA, a bailarina e professora de dança Angel Vianna mostra um experimento de movimento com a bailarina carioca Maria Alice Poppe, emocionando a platéia lotada do Teatro do Dragão do Mar, nesta quarta-feira. 

A bailarina e professora de dança Angel Vianna (foto: Renato Mangoli).
A coreografia é de João Saldanha e seu atelier de coreografia, também coreógrafo do espetáculo NÚCLEOS, dançado no dia anterior e premiado recentemente pela Revista Bravo. Nesta obra, João Saldanha se inspira numa proposta do artista Hélio Oiticica, com o mesmo nome do espetáculo. Os quatro dançarinos apresentam solos de muito movimento e incrível interpretação, junto com uma cena trabalhada em intensidades diferentes de luz. Corpos, movimento e iluminação se revezam ao som de música popular brasileira. 

No entanto, a obra perde força cênica ao ter sido apresentada aqui em Fortaleza no formato palco italiano, deixando a platéia distante e apenas na contemplação. Quero dizer, manter o publico pouco próximo não foi uma decisão coerente quando a proposta de Helio Oiticica era enfatizar a liberdade de deslocamento do espectador e, assim, expandir a experiência sensorial, aguçar os sentidos, até mesmo para criar outro tempo de fruição estética, fazer da obra um lugar um ambiente penetrável, corporalmente. 


sábado, 22 de outubro de 2011

Um corpo que diz uma dança que faz

Em 2009, não pude assistir a obra Maneries, de Luiz Garay e Co. Buenos Aires, dançada em solo e co-criada por Florencia Vecino, na quarta-feira (19), no Teatro Sesc Senac Iracema, pela Bienal de Dança do Ceará. Mas não foram poucos os bons e excelentes comentários quando soube que haveria uma segunda apresentação por aqui.

Curiosamente, desde o ano passado, acabei por assistir trechos desse trabalho na Internet, como também li o texto de divulgação, em suas várias versões autorizadas ou não, quando elaborados pelas assessorias de imprensa. Nesse texto, ou esses textos, uma afirmação deixou-me instigado - "o corpo como material linguístico" - e foi com essa afirmação, transformada em hipótese, que fui assistir a segunda apresentação do trabalho argentino, pela programação do Festival de Cultura da UFC, junto à programação da VIII Bienal cearense. 

O corpo como material linguístico é, então, um assunto muito caro e que a obra Maneries é generosa como contribuição artística pra elaborarmos isso enquanto público, artistas, pesquisadores. 



O inicio do trabalho é decisivo pelo poder sinestésico (alteração dos sentidos - visão, audição etc) que cria em nós uma percepção especifica para o trabalho. A percepção de um corpo dançando, sua força cinestésica (de cinestesia, propriocepção, habilidades corporais de se relacionar com o espaço, por exemplo) nasce dessa relação entre como me percebo diante de algo que se faz percebido e percebível. Ou seja, precisamos nos preparar para ver e, então, perceber, junto com o artista e suas estratégias cênicas para ser percebido e fazer perceber aquilo que o motiva como criador.

Sem mais rodeios, Maneries desenvolve uma presença corporal que atiça os muitos significados que faz um corpo em movimento através da dança. Um corpo que anuncia o que faz fazendo, um corpo que diz o que faz na própria ação de fazer dança pelo movimento. É coreográfico, é performativo.

Foto: Fernando Miceli.

É sim coreográfico no sentido de um grau de estabilidade dos movimentos que constroem imagens de um corpo que é andrógeno para ser virtuoso para ser engraçado para ser viril para ser feminino para ser delicado para ser erótico para ser esgotado para ser energético para ser belo para ser feio para ser estranho para ser robótico para ser delicado para ser corpo de bailarina que pode quase tudo para ser corpo qualquer para ser muitos corpos em um só. Metáforas do corpo que estão longe de ser mera analogia ou comparação, mas metáfora como associação cognitivas de experiências corporais, ou seja, metáfora como acionamento mental daquilo que é experenciado como corpo. 

É performativo pois se coloca diante desse desafio linguístico, que parece mesmo ser um principal pressuposto da obra. Desestabiliza a ideia de "presença cênica", algo comumente entendido como pré-concebido e sem vida, e nos leva a compreender essa presença como algo vivo, cheio de energia, que trabalha as probabilidades e recorrências coreográficas do/de movimento no corpo da intérprete. Ao fazer isso, cria um jogo imagético de possibilidades de organizar em um só corpo muitas evidências semiósicas (signo em ação no mundo), que me faz dizer que se trata de um bodybrainimagestorm (traduzindo, um corpotempestade de imagens corpocerebrais).   

Interessante pensarmos ainda na importância da figura do intérprete na dança contemporânea, meio esquecida no frisson dos últimos tempos que faz acreditar que só existe intérpretescriadores. Ver uma ideia florescer e criar corpo coreográfico dançante no corpo de outro ainda é um desafio a ser convocado.

Tudo isso pode, e muito, contribuir para nossas danças dançadas e não apenas idealizadas segundo parâmetros estéticos exportados e, muitas vezes, impostos. 

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Que danças serão lembradas? E esquecidas?

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Não consigo lembrar muito bem as minhas primeiras danças, quero dizer, não consigo lembrar as danças que assisti antes mesmo de querer dançar. Por que lembrá-las? Ou melhor, por que as esqueci?

Quando decidi morar em Lisboa, eu tinha uma vontade: assistir um espetáculo de Pina Bausch. Mas no ano que decidi ir, 2009, ela faleceu meses antes da minha partida. Recentemente, no entanto, tive a oportunidade de ver dançando Steve Paxton, o mentor do contato-improvisação, também em Lisboa, até conversei com ele. Foi um experiência interessante, que me despertou pra esse assunto de memória viva da dança ou aquilo que permanece

Pois sim, aquilo que permanece, mas permanência como algo em ação, transformando-se sempre, por isso, sua continuidade, e não como algo estático, imutável, no sentido de conservação ou mesmice (permanece igual, não mudou nada, dizem por aí). Como podemos então pensar memória atrelada a essa idéia de permanência, no que diz respeito às probabilidades e improbabilidades de uma ocorrência regular?

Este ano, a Bienal Internacional de Dança do Ceará vem trazendo, mesmo que timidamente, essa proposta de atiçar a nossa memória, com propostas de remontagem e releituras, seguindo a tendência de outros eventos  brasileiros e internacionais, como o Festival Panorama de Dança, do Rio de Janeiro, que ano passado apresentou a primeira peça de Marcelo Evelin (Ai ai ai!) e seu último trabalho (Matadouro); e ainda, os muitos faunos que tem sido dançado por muitas companhias e criadores, inclusive nesse mesmo festival, com uma releitura de Raimond Rouge, ex-dramaturgo da Pina Bausch.

Silvia Moura em A cadeirinha e Eu
Aqui teremos Fauller (Cia Dita) e uma releitura da obra A cadeirinha e Eu, de Silvia Moura (CEM), que ano passado estreou na Bienal cearense e Giratório do Sesc o solo L'après Midi D'un Fauller, livremente inspirado no titulo da obra de Nijinski. Talvez ai haja uma oportunidade para os criadores cearenses começarem a se debruçar sobre as obras e mergulhar nesse universo desafiante das remontagem e releituras, que acham?

Nos Colóquios de Dança, que acontecem desde a última terça-feira, na Reitoria da UFC, e que se encerram hoje, quinta-feira (20), o assunto tem movido reflexões interessantes, como a da pesquisadora francesa Isabelle Launay, que citou o badalado dançarino Jonh Lennon da Silva e sua versão da Morte do Cisne para o programa Se ela dança, eu danço (SBT). Segundo ela, o que o jovem fez foi "uma cópia críativa, uma releitura interessante". Podemos então dizer que ele e sua versão entraram para história da dança, não?

É que nesse movimento de remontar, especificamente, há uma questão política envolvidas nos eventos de dança que têm apoio público: que gesto e que dança será escolhido para ser lembrado? E que gesto e que dança não serão escolhidos, ou serão excluídos, para serem esquecidos?

Agora nós em nossos movimentos pessoais, que danças serão lembradas, que danças serão esquecidas na potências de serem lembradas de outros modos? E, ainda, que danças serão esquecidas, de facto?

Entender que o corpo esquece transformando e lembra transcriando, como também esquece para não mais lembrar, pode ser um caminho para acabar com certos romantismos nas discussões sobre memória da (e) Dança e dos Corpos que Dançam. 
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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

INTEMPESTIVAS # 01 / BEIJO DE LÍNGUA:
Dos nomes que lhes são próprios? *

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Relembrando....
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Tem gente que acredita: coincidência é ação divina.

De outro modo, o mesmo nome não é a mesma coisa,
e nem tudo é à toa ou quase tudo não é à toa.

Na última Bienal de Par Em Par, ano passado, os jovens cearenses Pizamiglio, Pires e Mouramateus dançam “Cavalos” pelo CirculaDança. Já a intérprete e criadora em dança Michele Moura, de Curitiba/PR, do Coletivo Couve-Flor, também dançou esse nome, mas no singular: “Cavalo”.

Para além da Bienal, Silvia Moura dançou e ainda dança “Engarrafada”, um espetáculo de dança, inclusive, no Festival Litoral Oeste, em julho de 2010, em Itapipoca. Já alguns artistas curitibanos encerraram, lá no Sul, no mesmo ano, temporada com “Engarrafados”, um espetáculo de teatro.

(som de vento forte e um leve suspiro transparece no meu rosto)


Agora várias sinapses acontecendo, você sente, corpo pensando, pensando, inspiro-me em Caio Fernando Abreu:


Hein?
O quê?
O que é que você quer dizer com isso?
Tem alguma coisa atrás, eu sinto.
Não. Não tem nada. Deixa de ser paranóico.
Não é disso que estou falando.
Você está falando do quê, então?
Eu estou falando disso que você falou agora.
Ah, sei.
Não, não foi assim.
Você também sente?
O quê?
Não me confunda. Tem alguma coisa atrás, eu sei.

(pausa na posição de cócoras)

No dicionário Aurélio, coincidência é: ato ou efeito de coincidir. / Geom. Estado de duas figuras geométricas que se superpõem. / Fig. Concurso de circunstâncias: uma feliz coincidência. / Realização simultânea de dois ou mais acontecimentos; simultaneidade, contemporaneidade.

Olha aí, eu não falei que tinha alguma coisa atrás, ainda sinto. Pois no começo tudo era claro, mas agora parece mais um bom pretexto para uma conversa ...

...sobre os nomes e as coisas ... e as danças...

*Texto de minha autoria, originalmente publicado no fanzine Beijo de Língua (Tembíú), durante a Bienal de Par Em Par 2010, com algumas alterações para esta versão on-line.
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