quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Festival carioca ''insere'' dança cearense
(qual nome nos é próprio na dança brasileira?)

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O espetáculo Cavalos é “um trabalho vindo da cada vez mais forte dança do Ceará”, como consta no catálogo do Festival Panorama de Dança 2010. Os jovens criadores (Andrea) Pires, (Daniel) Pizamiglio e (Leonardo) Mouramateus, que se apresentam nesta quarta-feira (10) e quinta (11), às 19 horas, no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro, tensionam a dança, a performance e as artes visuais para falar sobre o que pode ser produzido no encontro entre duas pessoas. É um dos dois nomes que fazem parte do que o evento definiu como espaço destinado a jovens artistas, Panorama Futuro, junto com a montagem Brecha, de Leo França (Salvador-BA/Curitiba-PR). Nesse movimento, tomemos para nós a mesma questão: o que pode ser produzido no encontro?

Observando mais de perto, já algum bom tempo que a dança produzida no Ceará vem construindo espaços e contextos próprios. Cavalos é um sintoma do persistente investimento em formação de criadores. Um exemplo é o Curso Técnico em Dança (IACC, Senac e Secult), iniciado em 2005, e com a terceira turma em andamento. Pires e Pizamiglio formaram-se na segunda turma e foi nesse ambiente que traçaram diálogos, tomaram decisões e experimentaram coisas. Fora dele, firmaram parceira dramatúrgica com Mouramateus, estudante de cinema e audiovisual pela Universidade Federal do Ceará.

O resultado é um trabalho que mostra que os encontros tornam-se singulares pela diferença que emerge do conflito humano, que é artístico e que nele se engendra. Assim, Cavalos fala de corpos que assumem suas prisões. Dois corpos que entrecruzam suas relações de co-dependência, ora de sujeição a si mesmo, ora sujeitado ao outro. Criam violências sutis, constroem movimentos com diferentes intensidades e, principalmente, desestabilizam metáforas, como da palavra que nomeia a montagem.

Em cena, o que reverbera são corpos que reconhecem entre si muitos sentimentos comuns como repulsas, desejos, afetos e apatias. Mais ou menos assim: o que é reconhecer-se pelo nome que nos é dado? Qual é mesmo o teu nome? Ana? Alberto? Daniel? Andréa? Leonardo? Carlos? Patrícia? Aspásia? Silvia? Teresinha? Maria? José? Valentina? Sofia? Carlos? Jorge? Claudia? Eduardo? Victor? Marcelo?

Justamente para atentarmos que a dança do Ceará é forte já há um bom tempo e isso a história pode apontar. Apesar de certa (in)visibilidade da produção cearense no cenário de criadores brasileiros, há um intenso trânsito de informações e intercâmbios que atravessam e mobilizam a dança cearense de longa data, que vem insistindo e se expandindo desde a criação do Colégio de Dança (1999-2002). Como também a Bienal Internacional de Dança do Ceará (1997), que faz parte da rede de festivais de dança brasileiros, junto com o Panorama, Festival de Recife e o mineiro Fórum Internacional de Dança.

Pois, no contexto do evento carioca, Cavalos tem o mérito artístico de se configurar também como um lembrete: qual nome nos é próprio na dança brasileira?

Texto publicado originalmente no Caderno Vida & Arte, do Jornal O Povo, em 10/11/2010, disponível em Festival carioca "insere" dança cearense.
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