sábado, 28 de agosto de 2010

Início de conversa: Corpos criam fluxos distintos*

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Dois trabalhos da Mostra Disseca, do Núcleo Dirceu, começaram, ontem, sexta-feira, 27 de agosto, uma pequena temporada de três apresentações cada um, que vai até domingo agora: Jogo de Dentro, de Wilena Weronez, e Mefisto Brasileiro, de Fábio Crazy da Silva. Dois solos que questionam o corpo em estado de crise e se singularizam ao criarem fluxos distintos – o primeiro existencial e o outro, cultural. Sem ter lido nada sobre os trabalhos, eu exponho aqui algumas impressões intempestivas para fomentar a conversa-debate que se realizará no último dia de apresentações.

Em Jogo de Dentro, Wilena coloca o corpo em cheque no confronto eu, eu mesmo e o mundo que me rodeia. O ambiente que se relaciona é um ringue de carvão com um saco de boxe no centro. Neste solo, o corpo busca uma exaustão, confronta-se com limites, tangenciando tensões e subversões, visto que há uma regularidade desse corpo que não cabe mais em si ou talvez não tenha como se libertar de si próprio.

Um jogo interno cujo fluxo é interrompido e parece não saber mesmo como atualizar limites, suas entradas e saídas, que é indeciso ou pouco assertivo, parecendo não aceitar o desafio de que é no risco e na subversão que os limites reconfiguram-se. Não só na e com a cena, mas principalmente nesse e com esse corpo que se digladia num chão duro e pueril de carvão. Eis, então, nessa metáfora uma imagem que remete a um corpo anestesiado pelos sistemas industriais de produção, um corpo serializado que não mais se reconhece como individuo e que lutam em vão para emergir de uma massa inerte.

No segundo trabalho, o corpo cria outro fluxo quando se desnuda para se mostra como corpo-manifesto. Mefisto Brasileiro é, assim, um corpo que se integra ao sistema (no caso, capitalista, dadas tantas referencias, inclusive a do banho de coca-cola na nuca) e, nesse integra-se, faz-se apocalíptico para novamente se integrar. Há uma espécie de metamorfose subversiva, um lúdico realismo que beira o humor, mas que é nesse humor que traz uma força irônica de dizer: olha aqui, eu existo! Nesse movimento, uma frase veio junto com o acontecer do espetáculo, de que o lixo é o troco. Mas troco de quê?

Talvez na relação corpo e cultura podemos encontrar algum indicio para esse lixo que é troco. Vivemos num mundo de desperdício, que todos somos educados a desejar o que não é necessário, que precisamos consumir, consumir, consumir para nos sentirmos aceitos e felizes. E para isso, temos que desperdiçar, desperdiçar, desperdiçar para alimentarmos a máquina nefasta do capitalismo. E de quem é o troco, as sobras? Fábio nos mostra que é na lógica do estar à margem ou na periferia que as relações de poder ficam mais evidentes e visíveis.

E não só isso, que o modo como as pessoas sujeitadas subvertem esse lixo que se transforma eu útil, uma espécie de utilidade lúdica ou mesmo uma crítica desdentada a um sistema que corrompe e, ao mesmo tempo, nos dá formas de também corromper. Pois se não temos como não ser hipócritas, de não conseguirmos escapar dos fingimentos de que está tudo bem; que sejamos, então, hipócritas conscientes para uma ironia cortante feito navalha!

É isso, por enquanto. Vamos aqui nos falando. Idéias para ruminarmos junto e juntos!

* Texto publicado originalmente no site do Núcleo do Dirceu, no dia 28 de agosto de 2010, com o mesmo título - Para início de conversa: Corpos criam fluxos distintos.
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sábado, 21 de agosto de 2010

Desespetacularize-se, se for capaz *

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Espetáculo é um conceito amplo, que tem uma estrutura mercadológica fortíssima, encabeçada pelos ditos mega-pop-shows. Nele a palavra entretenimento mostra-se evidente e problemática, pois o que prevalece são imagens aparentemente bem-sucedidas. Especificamente, o corpo é um elemento bastante falseado na mídia de consumo (ou consumo da mídia); e é na dança que este corpo submisso mostra-se preocupante também nas ditas artes cênicas. Como fazer de tudo isso uma boa reflexão?

A obra Espetáculo, do Núcleo Dirceu (Teresina-PI), em cartaz agora no Espaço Trilhos, mostra, encena e até demonstra algumas dessas relações passivas do parecer-ser, um quase exercício de desespetacularização que não se completa porque faz desse ato outro espetáculo. Os criadores – Elielson Pacheco, Janaína Lobo, Layane Holanda e Cipó Alvarenga – transformam o “palco” e eles próprios em algo menos alheio à insistência/resistência do fazer dança e também algo mais crítico diante falsificação geral da arte de/para mercado.

Duas referências teóricas faz-nos ver que “corpo-mercadoria” e “corpo-espetaculizado” são duas boas questões para dialogar com este trabalho, cuja pesquisa, nomeada de “Corpo Radiografado”, foi contemplada com o prêmio Funarte Klauss Vianna de Dança/2008 e o SIEC -Sistema Estadual de Incentivo a Cultura do Piauí/2009.

Guy Debord, em A sociedade do espetáculo, alerta-nos sobre a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia. Faz uma aguda critica a sociedade que se organiza em torno da falsificação geral da vida comum. Há que uma espécie de compulsão que diz respeito ao desejo pela fama e ao consumo excessivo. Uma máquina voraz que alimenta necessidades incessantes e a promessa de felicidade para sermos sempre “consumidores falhos”.

Seguindo esse pensamento crítico, Zigmunt Bauman, em Vida para Consumo, colabora ao nos mostrar como fomos transformados em mercadorias, que nos portamos como objetos de consumo. Ou seja, do processo de fazer consumir, de que somos o que consumimos, ultrapassamos tudo isso para um sermos a própria mercadoria. Ele remete, por exemplo, a hierarquização de clientes feita pelos insistentes e permissivos serviços de telemarketing num contexto maior que são as redes sociais na e pela internet.

Nesta segunda temporada, de 18 a 20 de agosto, sendo a primeira de 13 a 16 do mesmo mês, no Galpão do Dirceu, o coletivo dá ao publico teresinense uma boa oportunidade de confronto, de um rir de si mesmo e não só do outro, de ficarmos um pouquinho mais consciente ou menos alienados daquilo que é hoje a grande indústria dos espetáculos. Eles buscam questionar aquilo que os fundamenta: estar no palco.

Mas que palco é esse? Que palco pode ser esse? Trata-se de um sintoma que, noutro momento, podemos até retomar historicamente. Cabe aqui outro movimento reflexivo: estamos cansados de produzir espetáculos do mesmo modo? Digo melhor, como romper as cartilhas de um mercado contemporâneo de dança, arriscar a partir daquilo que nos é habitual.

Fazer um espetáculo, “contemporaneamente” falando, é um desafio para qualquer artista de dança atento ao mundo que ele também faz parte. Envolve um ato rotineiro de escolher para chegar a algo minimamente comunicável. Na obra em discussão, o desafio complexifica-se e eis que passamos a questionar estruturas postas, modos de fazer habituais etc e tal. É um exercício de metalinguagem necessário como um bom indício de que nem tudo está anestesiado, ou mesmo já conta como um grito de alerta: não aguentamos mais! Ou aguentamos?

Referências consultadas:
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação de pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.

* Texto publicado originalmente no site do Núcleo do Dirceu, no dia 20 de agosto de 2010, com o titulo duplo Um espetáculo do Espetáculo ou Desespetacularize-se, se for capaz .
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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O uso da nomenclatura “Artes Cênicas”

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MOÇÃO No- 25, DE 23 DE JUNHO DE 2010

Moção de Apoio à Câmara Setorial de Dança pelo cumprimento da Recomendação nº 01/2005, que aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas, em todas as esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura ARTES CÊNICAS como expressão generalizadora de áreas distintas como Teatro, Dança, Circo e Ópera.


O CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL – CNPC, reunido em Sessão Ordinária, nos dias 22 e 23 de junho de 2010, e no uso das competências que lhe são conferidas pelo Decreto nº 5.520, de 24 de agosto de 2005, alterado pelo Decreto nº 6.973/2009, tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, aprovado pela Portaria nº 28, de 19 de março de 2010, e:

- Considerando que a Dança é uma linguagem artística autônoma no campo do conhecimento;

- Considerando a importância da Dança como forma de expressão artística cultural no Brasil;

- Considerando que, segundo dados do IBGE, a Dança é a segunda atividade artística mais disseminada no território, sendo que cinquenta e seis por cento dos municípios brasileiros abrigam grupos de dança;

- Considerando que o ensino da Dança tem suas próprias Diretrizes Curriculares organizadas pelo Ministério da Educação – MEC e pertence a área de ARTES; e

- Considerando a necessidade de alteração da legislação vigente para a adequação necessária de maneira a assegurar e fortalecer os direitos e deveres dos artistas da dança afim de que possam empenhar, efetivamente, suas atividades de forma coerente com suas especificidades; ...

Manifesta seu total e irrestrito apoio ao cumprimento da Recomendação nº 01/2005, da Câmara Setorial de Dança, que aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas, em todas as esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura ARTES CÊNICAS como expressão generalizadora de áreas distintas como Circo, Dança, Ópera e Teatro.

JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA
Presidente do Conselho

GUSTAVO VIDIGAL
Secretário-Geral
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