quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Solo discute a relação ilusão e realidade
sob o viés lúdico-biográfico



A relação entre cérebro e mente tem muitos a nos ensinar, no sentido de desfazer certos mitos sobre as limitações humanas, ou seja, aquilo que fazemos, aquilo que não conseguimos fazer, aquilo que pensamos fazer e fazemos de outro modo, etc. Não se trata de um exercício meramente filosófico, mas também científico, quando se busca outras referências para se pensar o corpo com o corpo, que também é mente/cérebro.

Os estudos recentes sobre neurociência são algumas delas, como os realizados por Ramachamdran. No seu livro Fantasmas no Cérebro, o médico indo-americano relata alguns casos corriqueiros sobre anatomia funcional do cérebro. Mas a grande contribuição desse livro está mesmo na discussão que apresenta sobre os “membros fantasmas”, conceito desenvolvido pelo médico Silas Weir Mithcell, da Filadélfia, vindo das estatísticas de pessoas amputadas durante a Guerra Civil Americana. Sua questão principal, no entanto, são os porquês desses pacientes ainda continuarem a sentir os seus membros já amputados.

É nesse ponto que começa nosso diálogo com o solo “Assim é, Se lhe parece”, de JP Lima, dirigido por Valéria Pinheiro, da Cia. Vatá (CE). Tem a ver com a descoordenacao entre o que se vê (que detecta a inexistência do membro amputado) e a sensação mental da sua existência-presença (pelo fato de que a área do córtex correspondente a lesão no cérebro, que levou à amputação, ainda está ativa). É esse deslocamento sensorial que o solista cearense apresenta no palco, buscando construir imagens do corpo através do cérebro (as imagens mentais), utilizando de algumas boas metáforas e outras meras analogias, com o intuito de aproximar o público das sensações do que é, aparentemente, não ter uma perna.

Partindo disso, fica mais fácil o mergulho na ambiência literária, dramatúrgica e biográfica que se propõe a obra no sentido de “brincar” com a ilusão e realidade de um dançarino/bailarino com uma perna amputada. Eis ai o grande desafio do solo. O seu caráter autobiográfico ficar mais evidente na apresentação, e de onde vem à tona uma questão pertinente para dança, que é a natureza adaptativa do ser humano. Tem a ver com o lúdico-cômico, mas que precisa desse cuidado, desse aprofundamento. É um questionar a coerência desse foco biográfico enquanto escolha estética, do que se anuncia sobre a obra e o que, de fato, acontece no palco, que cria materialidade cênica e artística.

Senão, corre-se o risco de cair no discurso condescendente e reforçar mais ainda os preconceitos, do engraçadinho ou do grotesco; e mais, de afastar o público de um contexto que ele também faz parte, de que, todos os dias temos de lidar, e lidamos, com nossas limitações, de algum jeito, que são físicas, mentais e, crucialmente, existenciais.

QUINTA COM DANÇA
Assim é, se lhe parece...
hoje (29), às 20h, no Teatro do Dragão do Mar.
Ingressos: R$ 2,00/ 1,00.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Solos para pensar a Dança, no Sesc Iracema



O projeto Momento Dança, vinculado a gerência de Cultura do Sesc Ceará, iniciou sua programação mensal de 2009, neste último final de semana, sábado (10) e domingo (11), prosseguindo até o último final de semana de janeiro. Uma boa oportunidade para se pensar a dança a partir de quatros solos que são distintos mas que têm coisas em comum.

São dois os motivos.

O primeiro fica por conta do encontro dos quatro artistas, Silvia Moura, Carlos Antonio, Paulo José e Marcio Medeiros, e seus solos autorais com algo de (auto)biográfico no modo de se organizar artisticamente. Os quatros solos, por conta disso, criam relações cúmplices.

Tem a ver com o que Silvia Moura definiu como "dança desabafo" em trabalhos no e com o Centro de Experimentações em Movimento, cuja relação cumplice fez-se também com Paulo José. Um desabafo que cria uma diálogo entre palavra falada e movimento, não somente no sentido de extensão, continuidade, mas de distensão, partindo do solo de Márcio, ou seja, que a palavra falada pode transformar o movimento, e vice-versa. Como também transforma o corpo, mutuamente, mais evidente com Carlos Antonio, pois revela seu poder performativo, de um fazer que já é dizer, como discorre bem a pesquisadora Jussara Setenta em seu livro-tese. Ai podemos refletir de como a palavra falada performa o corpo que dança, de uma voz autobiografada no e pelo corpo.

Já o segundo motivo de abrir o projeto com solos está justamente no "solo" como uma questão da dança. Muitos artistas optam pelo solo depois de experiência, boas ou ruins, em grupo, ou simplesmente pelo fato de o trabalho em grupo mobilizou questões no âmbito mais pessoal, dai a necessidade do desmame. Outros já iniciam sua carreira com trabalhos solos, pois suas questões já estão tão embricadas no seu corpo no sentido de investigar, fuçar, vasculhar, ponderar... Há também a questão econômica, de que é mais "barato" dançar um solo, menos custos, como também uma questão estética, de uma escolha política, ante as dificuldades de estar junto(s).

O fato é que para se dançar só é tão complexo (não no sentido de complicado, mas como algo que acontece em rede e com muitos fatores envolvidos) como o dançar em grupo. São duas configurações que tem especificidades. E no caso do solo, a questão biográfica fica mais evidente pois, diferente de estar ali dando "a cara a tapa" (como alguns infelizmente crêem), acabamos conhecendo melhor o artista e sua lógica de organização - que pode ser desde a coreografia (maior grau de estabilidade) à improvisação (maior grau de instabilidade). E ainda, o que os mobiliza: de como cada um, "sozinho" no palco, cria conexões e cumplicidade com o mundo pela dança, com a dança.

Parafraseando o refrão de uma música do Kid Abelha, veio uma boa provocaçao para a gente, que é: Ficar só, só para se dançar, ficar só, só para si dançar...

E para o Momento Dança, digo que começou bem, com o pé direito, e que prossiga bem pelo ano que se inicia.

QUATRO SOLOS PARA DANÇAR

UMBANDANGANDÃNS – De PAULO JOSÉ
DESESPERO PARA A FELICIDADE OU SE EU NÃO GOSTAR NADA DURA PARA SEMPRE - De MÁRCIO MEDEIROS
MEUS CACOS COLADOS COM CUSPE – De SILVIA MOURA com DANIEL MEDINA
ZUMNAIMA BUSHIDO – UM SER QUE DANÇA – De CARLOS ANTÔNIO DOS SANTOS