quinta-feira, 8 de abril de 2010

Os artistas portugueses já têm corpo!?

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Foi publicada recentemente, aqui em Lisboa (17/03/2010),  uma matéria no caderno cultural Ípsílon, do Jornal Público que me ajudou a conhecer um pouco o contexto artístico da capital portuguesa. Mas foi o título que me chamou-me atenção pelo título para entender a abordagem jornalística presente no conteúdo, com aspectos positivos e outros não tanto.

"Os portugueses já têm corpo e os criadores encontraram-no" faz-me pensar como o corpo é ainda tido como instrumento para algo ou recipiente onde tudo pode-se colocar nele ou tirar dele. Ao mesmo tempo, importante atentar para o fato desse entendimento ainda ser um lugar comum quer seja no jornalismo cultural, quer seja no fazer artístico.

O que vale nossa reflexão sobre o conteúdo da matéria, um estar ciente sobre o que pensam os chamados artistas performativos - dança, música, teatro, ópera, artes visuais etc, terminologia mais habitual no contexto português. (No Brasil, o termo padrão é artes cênicas, isso para teatro, dança, performance e circo, no papel, porque, na prática, artes cênicas é geralmente sinônimo de teatro.)

No conteúdo, na íntegra no link logo abaixo, é possível ter uma nocão geral desse "ter um corpo", como também perceber que só são considerados artistas que "têm um corpo" os que têm certa consciência do corpo na criação, aqueles que trabalham com questões de gênero e homoerotismo, a seguir linhas de pensamento como a teoria Queer ou que tem a sexualidade como foco investigativo.

O que é bem válido, quando falar de sexo é um grande tabu, mas não se limita a isso. O corpo humano é de uma complexidade imensa e são muitas as perspectivas de trabalhá-lo como tema, que não é apenas a questão comportamental a partir do gênero e das sexualidades, sinto. A morte também é um tema pertinente para se repensar o estatuto do corpo em nosso tempo. Nesse sentido, a matéria poderia ter expandido mais a discussão, mas, ao que parece, preferiu uma abordagem mais generalista.

No entanto, o mote para a matéria, apesar dos poréns do título e da abordagem generalista, é estrategicamente inteligente e mostra-se, então, mais coerente com o que anuncia, passando por artístas e pesquisadores que, felizmente, deram boas contribuições. Explico: a editoria do caderno cultural escolheu como pretexto para a matéria o fato de, há quase vinte anos, o sociólogo e crítico de arte português Alexandre Melo ter escrito que "os portugueses não têm corpo", ou seja, que os portugueses "não reflectiam" sobre o corpo e sobre a sexualidade. Logo, percebe-se melhor o foco, como também outro aspecto emerge, o papel da crítica de arte como documento vivo.

Um texto jornalístico (reportagem) que, antes de lido, merece algumas provocações para aguçar o olhar, deixá-lo menos inocente:

O corpo de Portugal mudou?
Um corpo omisso? Já encontrou-no?
O corpo é o espaço onde tudo se altera?
Tenho um corpo ou sou um corpo?
Se tenho, que corpo é esse?
Se sou, que corpo é esse?
O corpo é instrumento?

LEIA A MATÉRIA NA INTEGRA: Os portugueses já têm corpo e os criadores encontraram-no
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sábado, 3 de abril de 2010

Comunicar algo é ... (tentativas)



Durante as duas semanas que passaram, as últimas do Programa FIA do qual faço parte desde outubro de 2009, estivemos envolvidos com a discussão e as possibilidades de configuração sobre o que vem a ser uma comunicação, ou o que vem a ser comunicar algo.

O que me levou a fazer dois momentos individuais e um em grupo: "Nem sempre consigo" (uma espécie de conferência performativa), "Virar bicho" (uma idéia se transformando em possibilidade de pesquisa prática) e dois dias de rota coletiva (ações performativas a percorrer ruas e travessas do bairro lisboeta da Mouraria).

O interessante dessas circunstâncias foi perceber que comunicar tem a ver com partilhar algo e também nos questionarmos sobre como esse algo quer/deseja ser partilhado. Logo, falar demais não necessariamente quer dizer comunicar, é outro movimento.

Planejei algumas coisas na intenção de criar um mapa de possibilidades: gravei alguns comentários dos labororatórios da formação no gravador de mão que me acompanha desde a minha primeira vinda à Portugal (Festival Alkantara, Lisboa, 2008); gravei nele também um trecho de um livro (O Mundo Alucinado, de Reinaldo Arenas) que ganhei de um recente amigo português com quem divido apartamento (Zé Luis, de Famalicão, mas que vive em Lisboa); coloquei-me o desafio de performar (no sentido de performatividade, que tem a ver com linguagem e não apenas com performance); acordei cedo e passei o início da manhã ouvindo a música "A Palo Seco", de Belchior, e que acabei por cantar no início desse meu momento dito performativo; decidi novamente "virar bicho" para perceber a selvageria que se engendra em mim desde o encontro mútuo com uma pedra que aconteceu em Vila Velha de Rodão, na residência artística no CENTA e também no Espaço Experimental do dia 25 de abril; o polêmico texto "A Dança Contemporânea", do jornalista carioca Artur Xexéu, como provocação crítica para o momento de feedback; e outros materiais, etc etc e tal.

No entanto, deixe-me permeável para, a partir de mim e do outro, criar um contexto de ação, logo, um contexto para uma comunicação que comunique, que se relacione e que considere também a incomunicabilidade: corpo como mídia primária, movimento como motor da vida, pensamento como ação (e não como refúgio), dança como pensamento do corpo, crítica como um fator evolutivo da dança ...

Assim, sinto mais forte em mim que preciso/precisamos me/nos implicar naquilo que faço/fazemos.

Foooogo, pá! Criação artística é trabalhar com aquilo com que nos relacionamos, nossas histórias de vida em movimento com o mundo; que antes da forma vem o movimento; que precisamos jardinar diariamente nossas idéias para elas se transformarem em algo que nos faça seres humanos melhores; que as coisas não são sobre as coisas; que precisamos ter atenção ao contexto do contexto, sem recuar; ...

E, principalmente, que é no DANÇAR-INVESTIGANDO e no INVESTIGAR-DANÇANDO - disse e me ensinou Gladis Tridapalli (Curitiba/PR), e que vivenciei tão intensamente no c.e.m - que podemos criar uma autonomia artística eficiente que nos permita prosseguirmos de um jeito mais humano.

Isso tudo - e mais o que está nas frestas e dobras das entrelinhas - diz respeito ao movimento do corpo, que ora se organiza como dança, ora se organiza como escrita crítica, quando considero o meu percurso.
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