domingo, 8 de junho de 2008

Objetividades subjetivas da crítica
(ou seria subjetividades objetivas?)



Como pensar uma objetividade para a crítica, considerando o seu caráter subjetivo?

De outro modo, como a crítica pode, de fato, contribuir para a produção de saberes quando ainda persiste a questão do gosto pessoas, mesmo com todos os cuidados?

No workshop, isso ficou nítido nas sutilezas.

Os críticos profissionais, quero dizer, os que estão vinculados a um jornal ou revista, o que não é o meu caso, pois sim, tais críticos tendem a ser mais seguros (self confident) sobre suas "opiniões", talvez uma sensação de segurança por conta de estarem representando um veículo.

Tem ainda os artistas que discutiam e interrogavam sabiamente coisas como o que é dito pelo crítico não está na obra ou que o crítico não conseguiu entender nada, aí "cria" um discurso qualquer que legitime.

Tem ainda os críticos-artistas, cada um com um nível de atuação específico, que se colocavam no entre, de tentar argumentar a partir de suas experiências de deslocamento entre ambas atuações.

Nesse embate, que prefiro entender como confronto de diálogos, alguma questões foram colocadas e servem para futuros diagnósticos e diálogos:

- O crítico é a pessoa mais habilitada para compreender o trabalho do artista. Já o próprio artista não.
- A crítica fala de coisas que não estão na obra, mas ao falar isso, tais coisas passam a pertencer ao olhar do leitor e, de alguma forma, à propria obra.
- A crítica tem pouco espaço nos jornais e revistas impressos, sendo a internet a grande saída para essa suposta crise do exercicio crítico.
- A internet, no entanto, tem suas limitações pois é também um extremo, o de ter muito espaço no qual a interatividade, geralmente, só dura algumas horas ou dias.
- O trabalho do crítico e do programador se confundem, tendo o programador, muitas vezes, mais habilidades de legitimação de suas escolhas.
- Os festivais seguem a mesma lógica da nossa sociedade capitalista: muitos espetáculos e muitas novidades, sendo impossivel desacelerar a rotina, nem desestabilizar as expectativas.

Há ainda outros aspectos que, a partir desses, irem logo mais pontuar, questionar.

PS: Que (pre)potências tem a crítica?

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Alguns devires críticos


Nessas tardes de discussão, alguns comentários serviram de input para o debate, e aqui estão:


I. China, de Willian Young (Austrália):

A performance teatral China, apresentada no último dia 03, no Museu do Oriente, permite-nos refletir sobre o contexto da China, a partir do olhar humanizante. Pois quando William Young conta sua história, ele próprio atualiza aquilo que foi vivenciado por ele em outro tempo, colocando em discussão o caráter ficcional do documentário como modo de organização cênica e artística. Logo, falar do passado é presentificar. Está ai a importância de um trabalho de caráter autobiográfico e documental dentro de um festival majoritariamente de dança. A performance também traz a discussão sobre identidade cultural quando o contador de historia é um chinês nascido da Austrália, logo, sua identidade não é fixa e o que faz dele chinês-australiano são aspectos bem mais abrangente e que tem a ver com homossexualidade, movimento de libertação, contexto familiar. Aspectos relacionados com um processo complexo que é a mestiçagem cultural, de entender essa rede de relações que fazem a singularidade do ser humano não ser apenas genética e geográfica.

II. Speaking Dance, de Jonathan Burrows e Matteo Fargion (Reino Unido & Itália):

Interessa-me muito esses outros modos de organização da relação dança e música. O trabalho Speaking Dance, apresentado também no último dia 03, no Museu da Eletricidade, no Bairro Belém, revelou-me, inicialmente, um estudo de percussão, onde o elemento música está mais visível do que o elemento dança, este mais sutil. Então, questiono: como perceber a sutileza desse falar sobre dança quando o que vemos cenicamente se organiza como música, palavra falada e palavra cantada? Acredito que é como os gestos se organizam, como os dois performers interagem com o que vai sendo dito e falado. Não ver o habitual é o que faz da peça um desafio intrigante para o público, não de um decifrar, mas de tentar entrar nesse jogo da dupla, semântico (as relações de significação) e semiótico (estudo dos signos / gestos). Um jogo que é uma brincadeira prazerosa de falar de dança de outro jeito.

III. to be SE(r)QUENCES, de Zoitsa Noriega e Magdalena Sloncova (Colômbia & República Tcheca):

Dança e artes plásticas encontram-se nesta peça. Dois corpos a executar tarefas. Digo tarefas pois, ao que parece, a ação metódica (serial, passo a passo) define a dramaturgia da peça. Mas to be SE(r)QUENCES é mais que isso e guarda um sentimento político nos detalhes dessas aparentes "seqüências" de ações, algo mais que um simples ato mecânico. E é justamente nesse guardar, ou seria resguardar, que está uma certa relevância artística da obra. Pois há um hermetismo na peça, que as informações postas na cena não são suficientes para que os almejados propósitos políticos efetivem-se esteticamente. O uso do papel talvez seja a informação-chave, que o uso recorrente do papel traz a idéia de invólucro, de um ocultar ideologias, de um camuflar-se para sobreviver. Bem como a pichação que fazem, de rostos de pessoas como uma multidão silenciada dos noticiários em preto-branco. Uma leitura de caráter semiótico que revela indícios de algo que está lá na cena, mas em potência, um devir, um vir a ser político. Faz então necessário entender um pouco do seu contexto, ou seja, o contexto cultural de onde vêem e com os quais as duas interagem. São eles: a Colômbia e a República Checa, sendo a obra um terceiro contexto, um entre-lugar (termo utilizado pelo teórico Homi Bhaba e se refere a espaços transculturais caracterizados pela indefinição). *A saber, Zoitsa e Magdalena encontraram-se durante o projecto coLABoratório - Encontro Sul-Americano Europeu de Coreógrafos, organizado pelo Festival Panorama de Dança (Rio de Janeiro) entre Novembro 2006 e Março 2007, em colaboração com ArtsAdmin (Londres), Theatre Institute Prague e Alkantara Festival. Durante a última fase do projeto, criaram juntas a peça to be SE(r)QUENCES, desenvolvida a partir do desejo de trabalhar num lugar vazio com materiais extra-corporais (papel) e imateriais (vento).

domingo, 1 de junho de 2008

Homo Ficcionalis: Somos cobaias de que(m)?


O primeiro dia de discussões do encontro, na última sexta-feira, foi sobre a performance Banquete, de Patrícia Portela (Portugal), sobre a qual discorro provocativamente.

Numa apresentação especial, tida como "ensaio aberto" ou "pré-estréia", Banquete é uma performance que se define como um projeto artístico transdisciplinar que trata da problemática da experimentação com seres humanos para pesquisas científicas. Partindo disso, tem-se o real e o não-real organizam-se, performática (ação cênica) e performativamente (fazer-dizer), como um ritual gastronômico de ficção científica. De onde surgem algumas inquietações: quais os limites de um experimento com seres humanos? Que clareza deve ter tais limites quando se tem em perspectiva as relações bioéticas? O que pode ou não ser admitido, o que pode ou não ser feito? Somos cobaias ou somos cúmplices desse ritual? O que comer, o que não comer e por que comer?

Experimento remete à idéia de cobaia, "rato de laboratório". O estranhamento causado a cada prato servido, a cada nova situação gastronômica. Pois, o que parece alimento é, na verdade, um procedimento de testes. Pessoas sujeitadas as mesmas condições acabam por desenvolver padrões de comportamento comuns e diferenciados. Ambos são importantes quando tudo pode ser um dado revelador. Não se trata de punição, como em alguns momentos ocorreu, quando o numero de alguém foi anotado (ao entrarmos, éramos numerados), como também uma simples tosse já é tida como motivo para separação ou possibilidade de contaminação coletiva. Trata-se sim de dados a serem verificados, percebidos, via ação de observação e intervenção. Por conta disso, a dramaturgia configura-se como um ambiente ficcional onde memória, ancestralidade e clonagem dialogam, todo o tempo, oscilando entre o irônico, o cômico e trágico.

A saber: a performance foi apresentada no salão nobre do Palácio Nacional da Ajuda. Conhecido também como Paço de Nossa Senhora da Ajuda, esse palácio é um monumento nacional português, situado na freguesia da Ajuda, em Lisboa. O antigo Palácio Real é hoje, em grande parte, um magnífico museu, estando instalados no restante edifício a Biblioteca Nacional da Ajuda, o Ministério da Cultura e o Instituto Português de Museus.

(Foto: Giannina Urmeneca Ottiker)