quinta-feira, 5 de junho de 2008

Alguns devires críticos


Nessas tardes de discussão, alguns comentários serviram de input para o debate, e aqui estão:


I. China, de Willian Young (Austrália):

A performance teatral China, apresentada no último dia 03, no Museu do Oriente, permite-nos refletir sobre o contexto da China, a partir do olhar humanizante. Pois quando William Young conta sua história, ele próprio atualiza aquilo que foi vivenciado por ele em outro tempo, colocando em discussão o caráter ficcional do documentário como modo de organização cênica e artística. Logo, falar do passado é presentificar. Está ai a importância de um trabalho de caráter autobiográfico e documental dentro de um festival majoritariamente de dança. A performance também traz a discussão sobre identidade cultural quando o contador de historia é um chinês nascido da Austrália, logo, sua identidade não é fixa e o que faz dele chinês-australiano são aspectos bem mais abrangente e que tem a ver com homossexualidade, movimento de libertação, contexto familiar. Aspectos relacionados com um processo complexo que é a mestiçagem cultural, de entender essa rede de relações que fazem a singularidade do ser humano não ser apenas genética e geográfica.

II. Speaking Dance, de Jonathan Burrows e Matteo Fargion (Reino Unido & Itália):

Interessa-me muito esses outros modos de organização da relação dança e música. O trabalho Speaking Dance, apresentado também no último dia 03, no Museu da Eletricidade, no Bairro Belém, revelou-me, inicialmente, um estudo de percussão, onde o elemento música está mais visível do que o elemento dança, este mais sutil. Então, questiono: como perceber a sutileza desse falar sobre dança quando o que vemos cenicamente se organiza como música, palavra falada e palavra cantada? Acredito que é como os gestos se organizam, como os dois performers interagem com o que vai sendo dito e falado. Não ver o habitual é o que faz da peça um desafio intrigante para o público, não de um decifrar, mas de tentar entrar nesse jogo da dupla, semântico (as relações de significação) e semiótico (estudo dos signos / gestos). Um jogo que é uma brincadeira prazerosa de falar de dança de outro jeito.

III. to be SE(r)QUENCES, de Zoitsa Noriega e Magdalena Sloncova (Colômbia & República Tcheca):

Dança e artes plásticas encontram-se nesta peça. Dois corpos a executar tarefas. Digo tarefas pois, ao que parece, a ação metódica (serial, passo a passo) define a dramaturgia da peça. Mas to be SE(r)QUENCES é mais que isso e guarda um sentimento político nos detalhes dessas aparentes "seqüências" de ações, algo mais que um simples ato mecânico. E é justamente nesse guardar, ou seria resguardar, que está uma certa relevância artística da obra. Pois há um hermetismo na peça, que as informações postas na cena não são suficientes para que os almejados propósitos políticos efetivem-se esteticamente. O uso do papel talvez seja a informação-chave, que o uso recorrente do papel traz a idéia de invólucro, de um ocultar ideologias, de um camuflar-se para sobreviver. Bem como a pichação que fazem, de rostos de pessoas como uma multidão silenciada dos noticiários em preto-branco. Uma leitura de caráter semiótico que revela indícios de algo que está lá na cena, mas em potência, um devir, um vir a ser político. Faz então necessário entender um pouco do seu contexto, ou seja, o contexto cultural de onde vêem e com os quais as duas interagem. São eles: a Colômbia e a República Checa, sendo a obra um terceiro contexto, um entre-lugar (termo utilizado pelo teórico Homi Bhaba e se refere a espaços transculturais caracterizados pela indefinição). *A saber, Zoitsa e Magdalena encontraram-se durante o projecto coLABoratório - Encontro Sul-Americano Europeu de Coreógrafos, organizado pelo Festival Panorama de Dança (Rio de Janeiro) entre Novembro 2006 e Março 2007, em colaboração com ArtsAdmin (Londres), Theatre Institute Prague e Alkantara Festival. Durante a última fase do projeto, criaram juntas a peça to be SE(r)QUENCES, desenvolvida a partir do desejo de trabalhar num lugar vazio com materiais extra-corporais (papel) e imateriais (vento).