Desde janeiro, Lyncoln (Diniz) habita um espaço nas entranhas do bairro da Mouraria e quando dançou Beco do Jasmim - uma proposta de movimento, durante o Festival Urbano Pedras d’Água 2011, sempre às 15 horas, ficou claro que ali era a culminância de um trabalho de fundo, cotidiano, permeado pelo trabalho com crianças que realiza junto ao c.e.m.
fotos: Joubert Arrais. |
Não só isso, mas inclusive isso. O movimento de estar no Beco do Jasmim, que fica depois da Rua do Capelão, depois do Largo da Severa, a abrir quase diariamente outros espaços, deu à performance uma força permeante, quando o familiar não é comodismo, mas um movimento de estabilidades para percorrer instabilidades, ginasticar o espaço, deixá-lo ser e o transformar, deixar-se transformar.
Pois não se trata mesmo de site specific, outro modo de intervir no urbano. Na proposta de Lyncoln, que converge bem para a filosofia de trabalho do c.e.m, o movimento é mais profundo, vai mais fundo, pois considera a dinâmica de existência do espaço que pretende se relacionar, isso é muito valioso quando se trata de propostas que tem o corpo e a cidade como eixos mobilizadores de movimento.
Fui um dia antes do festival acompanhar Lyncoln. Há, de certo, um ritual importante e que tem a ver com o saber cuidar. Chega no beco, percebe o beco na sua circunstância do dia, dá um jeitinho no lixo perto da árvore e também no entorno, dá um "bom dia!" para os que ali também moram e passam, enquanto passa os olhos no lugar à procura de cacos de vidro ou algo que possa magoar o corpo. Um sorriso escapa nesse trabalho que não é preparação mas uma relação sendo jardinada, uma relação que precisa de cuidado para avançar nos tantos outros espaços do espaço a serem emergidos e percorridos pelo corpo em movimento.
Um grau de pessoalidade que aproximou bastante quem lá esteve com ele durante os dias oficiais do festival. Não de ser sobre o Lyncoln, mas que a partir dele o espaço deu-se em brechas, frestas, fissuras para ser outra coisa de e para movimento. Um movimento que fez vir um sentimento de dádiva, ou mesmo de epif6ania, ou mesmo de cumplicidade.
Não há início marcado, há um simples e poderoso estar.
Corpo invertido feito árvore, pernas para cima no movimento de criar raízes aéreas, corpo-rizoma, rizoma-corpo: inversões e verticalidades / horizontalidades, corpo-transversal. Fica assim estático, aparentemente, pois há muito movimento nesse movimento. Da inversão-árvore, escorre para ser chão.
Corpo invertido feito árvore, pernas para cima no movimento de criar raízes aéreas, corpo-rizoma, rizoma-corpo: inversões e verticalidades / horizontalidades, corpo-transversal. Fica assim estático, aparentemente, pois há muito movimento nesse movimento. Da inversão-árvore, escorre para ser chão.
Lyncoln deita no chão mas não escorrega. A qualidade do movimento é outra, não é de tanto escorregar, nem tanto escorrer, é algo mais especifico, parece-me um dobra-se, rolar quase, vai um pouco, um jogo de forças, mesmo escorregando, mesmo escorrendo.
A intensidade do ser chão veio da intensidade de ser árvore, mas as raízes agora eram outras, raízes móveis que indicam caminhos e percursos a serem vivenciados como movimento de estar-com. Uma relação se constrói no presente da relação, familiaridades que criam estranhamentos que criam familiaridades para outros movimentos. Ou como ele descreve no site, “corpo-ponto, corpo-paisagem, corpo-ambiente”.
Mover-se no Beco do Jasmim é encontrar o não familiar no familiar, é morada feito corpo, é movimento feito as pinturas nas paredes de tantos e tantos toques humanos infantis. Isso, Lyncoln pinta o espaço na ação física e poética de todo um corpo a se engendrar no humano que pulsa no Beco do Jasmim.
Corpo suspenso e os dedos de uma mão não tocam a grama, há sutileza. Corpo a fazer-se presente. Parada, força física, conversar com o espaço para criar outros espaços, elasticidades. Risos são como forças do corpo de dentro a vazar, escapar sonoridades, vozes, murmúrios, pequenas gargalhadas, glossolalias, não-linguagens, descodificação, expulsar, dar vazão, libertar.
Movimento, gestos, figuras que despertam também riso de quem está com ele, companhia inusitadas como no dia que apareceram dois cachorros como expectadores participantes, momentos estes e outros onde o riso apareceu em todos, ora implicitos, ora explicitos, evidencias de estar junto, pronto, prontidão, estou contigo, estamos contigo.
Jou, muito obrigada para quem de longe consegue se aproximar um pouco pela sua documentação. Uma correção: Lyncoln.
ResponderExcluirBeijos