quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Mostra Outras Danças (2o. dia): Jamille Morais, Dario Albuquerque, Ariana Andrade, Leandro Neto e Fabiano Veríssimo

Por Joubert Arrais

O projeto Outras Danças: Brasil, Chile, Colômbia continua com a sua mostra de trabalho resultantes das residências com os coreógrafos José Luis Vidal (Chile) e John Henry Gerena (Colômbia), projeto este promovido pela Funarte e Secult/SecultFor/Quitanda das Artes, com direção artística de Silvia Moura.

Nesta mostra, o movimento é perceber as montagens enquanto evidências de processos, trabalhos que acabaram de nascer e que precisam dessa relação de ser visto e se deixar ver, uma vez que o público faz parte do amadurecimento da obra e das questões que o artista e obra buscam apresentar/problematizar.

Seguem abaixo comentários/impressões de cinco montagens apresentadas ontem, 13 de dezembro. Dentre elas, quatro aconteceram no Teatro da Boca Rica: Moldura, de Jamille Morais (Fortaleza/CE); Souvenir, de Dario Albuquerque (Fortaleza/CE); Andar.Ilha, de Ariana Andrade (Salvador/BA) e O que você vê é o que eu danço?, de Leandro Neto (Fortaleza/CE). Já Forca, de Fabiano Veríssimo (Fortaleza/CE), aconteceu no térreo do Alpendre.


CORPO-MOLDURA-IMAGENS-QUE-DANÇAM (Residência José Luis Vidal)
Jamille em Moldura cria distâncias e borrar nossa percepção. Imagem e corpo fundem-se, e sendo mais específico, confundem-se em certa medida. Contudo, a referência ao balé romântico é evidente. A música e a imagem da bailarina Marie Taglioni nos mostra isso, mas, mesmo sem saber de quem trata a imagem projetada, é claro que é a imagem de um quadro pintado de uma bailarina clássica.

Assim, Jamille faz ver no corpo um pouco da sua história da dança, parece ser mesmo um lugar tranqüilo para ela, esse lugar do balé no seu corpo. A obra mostra isso, quando enaltece e não evidencia tanto uma problemática maior desse corpo balético. Ou evidencia se associamos a palavra “moldura”, que nomeia a obra, à ideia de enquadramento, algo fixo, possível?

Então, uma boa questão para Jamille é: a obra quer/deseja/pretende/busca falar do balé clássico ou desestabilizar a imagem que temos desse corpo balé por meio do ambiente tecnológico de imagens fotográficas projetadas? Que presença é preciso criar? Que ausência é preciso perceber?


POR TRÁS DO ROSTO, UMA DANÇA PARA LEMBRAR – Dario Albuquerque (Residência John Henry Gerena)
Dário, em Souvenir, usa mascaras. Corpo que esconde o rosto. O inicio do trabalho cria um clima enigmático, misterioso, um corpo sem identidades ou com muitas identidades que se atravessam. As escolhas apresentadas na obra nos leva a pensar que se trata de uma obra que discute, ou melhor, sugere questões de gênero.

Um corpo masculino vestindo um sutiã e sempre a esconder o rosto, e quando não o esconde, fica de costas para o público. Mas há algo mais por trás de tudo isso, sinto. Souvenir é uma palavra que quer dizer lembrança, para lembrar. 

Então, ele dança uma dança para a gente lembrar dele, ou lembra de que, de quem?


NA ILHA QUE ANDA, ELA PODE DANÇA MAIS – Ariana Andrade (Residência José Luis Vidal)
Ariana Andrade dançou Andar.Ilha, colocando o público no palco delimitados por folhas secas, formando um grande retângulo. Enquanto proposta, esta obra instigou as pessoas presentes a um olhar mais próximo para perceber o modo como seu corpo desenha linhas no espaço. Contudo, poderia e pode aproveitar melhor essa relação de proximidade para uma interação que considere o público como participante e não apenas como observador passivo.

Nesse movimento, Ariana busca mostrar estados corporais, por meio da metáfora-trocadilho que dá nome à obra: Andarilha, Andar, Ilha. São imagens potentes, os trocadilhos tem uma força performativa surpreendente. Logo, Ariana precisa investigar com mais cuidado, rigor e ousadia, partindo do senso comum do que essas imagens sugerem e se aproximar mais da ideia de metáfora enquanto cognição, ou seja, a metáfora entendida não como comparação, ilustração, mera figura de linguagem.

Uma questão interessante pode ser: como esse corpo andarilho pode reconfigurar o espaço que dança dando mais volume ao movimento, acionando vetores de força que a desloque e faça, de fato, sentirmos esse corpo andarilho(a)?


O QUE VOCÊ DANÇA EU VEJO? – Leandro Neto (Residência com José Luis Vidal)

Leandro Neto, em O que eu danço é o que você vê?, traz no titulo uma provocação relacionando corpo, dança e percepção. Entra em cena, sim, dançando, experimentando movimentos no espaço, como se desenhasse algo com as extensões de braços e pernas. Mas não é só isso, é? 

O som de água cria uma ambiência junto com a água que escorre lentamente no chão escuro do linóleo, enquanto se desloca pelo palco, ora em diagonais, ora se distanciando para o fundo do palco. Leandro fez escolhas, há movimentos coreografados como se quisesse acordar o corpo para ser dança. 

Contudo, o que ele dança é o que vejo? O que você dança, Leandro, é o que vejo? Que propósito há nesse dançar sob água a escorrer no seu corpo e nos nossos ouvidos quando o que é colocado como obra é se o que eu danço é mesmo o que você vê?


NOS ENCANTOS DA TECNOLOGIA – Fabiano Veríssimo (Residência com John Henry Gerena)

Na obra Forca, Fabiano Veríssimo, junto com a intervenção do artistadesigner Diogo Braga, partilha uma dança de imagens gráficas projetadas, evidenciando uma vontade e um desejo de fazer uma dança com mediação tecnológica. Do que foi apresentado, muitas questões vieram à tona, possivelmente, o trabalho mais paradoxal de todos até agora.
Falo isso como algo que engrandece a obra por esta ser potente enquanto possibilidade de investigação tanto nessa “dança tecnológica”, como também e principalmente na proposta “forca”, brincadeira coletiva de palavras, ações e conseqüências.

Quero dizer, Forca trata-se de um trabalho que mostra bem como a dança ainda precisa se encantar desencantando-se dos recursos tecnológicos, que precisamos criar anticorpos para que situações cênicas não se limitem a sensorializar o público, mas que se tornem artísticas quando se esforça para desenvolver procedimentos que não engessem a dança, que a dança não seja mero instrumento da alta tecnologia.

Outra provocação, que tem tudo e muito a ver com a Mostra Outras Danças: Forca é um solo ou é um duo? Reformulo: o que define uma obra ser um solo? Como lidarmos com esses colaboradores interventores e como eles se incorporam a obra e nem sempre conseguimos perceber.

Uma ideia é pensarmos: qual dos corpos é que é o corpo problematizador? No caso de Forca, minha hipótese é que foi Diogo quem deu algum sentido a proposta, fazendo adormecer o corpo dançante de Fabiano.

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