quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

DE LAS ENTRAÑAS: Interstícios dançantes*


De las entrañas propõe uma questão para pensarmos: como ser dança na relação entre linguagens, em especial, como ser linguagem de dança com a linguagem do cinema? A montagem é livremente inspirada na obra de Almodóvar, com dramaticidade e teatralidade características da estética do cineasta.

Percebo, contudo, que não é, necessariamente, para dançar as cores de Almodóvar, de ser uma dança para ele e sua obra, mas uma dança que fale de objetos, cores, imagens, pessoas, enfim, das ambiguidades e idiossincrasias humanas. Pelo menos, não era para ser tanto Almodóvar, mas acaba sendo um pouco, às vezes, até demais.

De início, pensei em como a montagem nos ajudaria a refletir sobre o cinema almodovariano, colaborando para entendermos suas inquietações, nos impulsionando para outras leituras de mundo menos moralistas e mais passionais. Isso seria, e é, interessante, se o assunto fosse "apenas cinema". No entanto, o contexto é a dança, e mais, a dança entre linguagens, logo, tive que refazer o raciocínio.

No espetáculo, um diálogo está presente, sim, com muitos elementos que já conhecemos, mesmo para os não-cinéfilos, até para quem assistiu apenas um filme, inclusive seu último, "A pele que habito" (2011), que veio bem menos colorido visualmente, mas ainda assim carregado de sutilezas ambíguas das personagens e suas peripécias, digamos, "ultrahumanas".

Ser livremente inspirado na obra de um cineasta famoso é desafiante. Consideremos: como Almodóvar permite ver a dança de Alda enquanto organização de novas formas de dança, das entranhas do corpo em movimento, de uma dramaturgia do corpo na cena, de ser linguagem de/a dança? 
Para isso, é importante investigar, olhar atentamente que zonas comuns podem ser construídas, forjadas, percebidas, e que já estão lá na obra, pulsantes, uma vez que o diálogo é com uma obra de dança, não?

Felizmente, Alda e João Paulo estão em um bom caminho, contextualizados na proposta do "Quinta Com Dança", um lugar de experimentação para a dança contemporânea, ou melhor, um espaço para arriscar outros jeitos de fazer dança, investigando o corpo que dança em suas muitas possibilidades de configuração enquanto arte no mundo.

* Texto escrito originalmente para o Caderno 3, do Diário do Nordeste, na seção "Opinião do Especialista", dentro da matéria "DANÇANDO COM ALMODÓVAR", de Naiana Rodrigues, publicada no dia 26 de janeiro de 2012. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Mostra Outras Danças (5º dia) - Tatiana Valente, Robson Jacqué, Luiz Otávio Queiroz & Magno Pontes

Encerramos aqui o primeiro momento de escritas, com foco na Mostra de Solos e Duos, do Projeto Outras Danças: Brasil, Chile, Colômbia, ação promovida pela Funarte e Secult/SecultFor/Quitanda das Artes, com direção artística de Silvia Moura.. 

Seguem abaixo os comentários/impressões dos trabalhos Embaraçzada, de Tatiana Valente (Fortaleza/CE); Procura-se MaLu, de Magnos Pontes e Luis Otávio Queiroz; e Tessituras, de Robsons Jacqué (São José dos Campos/SP). 


UM CORPO HÍBRIDO EM CONEXÕES - Tatiana Valente (Residência com John Henry Gerena)
Na obra Embaraçzada, Tatiana Valente dançou com fios coloridos presos ao corpo pelo espaço do palco. A geometria criou-se pelo linhas como direções, corpo onde converge linhas de forcas, para isso, embaraçou-se. O trocadilho do nome da obra vale atenção. Embaraçada, do espanhol, significa grávida, já no português, atrapalhada, envergonhada. Mas o que isso tem a ver com o trabalho de Tatiana? 

Vejamos. Tatiana é assim um corpo hibrido que tem força, fisicalidade, sensibilidade. Dá conta do que propõe na medida em que cria as tensões e os tempos com os fios ainda esticados, depois começa a rompê-los e enlinha -se neles, embaraça-se, para então libertar-se e subir pelos tecidos presos no teto do teatro.

A obra nos lembra ainda a relação corpo, dança e circo ainda pouco problematizada mas já significativa no contexto da dança em Fortaleza, do qual Tatiana vem fortalecendo.

DOIS QUE SE (A SI) DANÇAM - Luiz Otávio Queiroz e Magno Pontes (Residência com José Luis Vidal)
Uma brincadeira com ares mais sérios. Luiz Otávio e Magno Pontes propõe uma zona comum para dançarem juntos. Criam até uma persona para dar conta disso, MaLu. Poderia ser LuMa, talvez. 

O que senti foi um acordo afetivo de elaborar movimento de dança no palco, a partir da história da dança de cada um. Ora estão juntos e simulam um encontro amoroso, ora sentimos mais Luis Otávio e Magno como observador, depois invertem esses papéis. São dois meninos-homens “amostrados”, no bom sentido da palavra, que é boa presença de/na cena, sentem-se bem lá, por isso, falem, uma brincadeira, eles se divertem. 

Procura-se MaLu foi um dos dois únicos duos (a obra Forca é oficialmente um solo, mesmo tendo se configurado com um duo de Fabiano Veríssimo e Diogo Braga), junto com os 21 solos apresentados. Propõe uma zona comum porque, de fato, tem interesses cúmplices, não apenas como ex-colegas de curso técnico em dança, mas como jovens interpretes e criadores dançando coisas deles, autorais. Mas o que tem de sério em tudo isso, em termos de investigação artística? Algo já se faz evidente, não?

A BUSCA DO CORPO POR OUTRAS TESSITURAS DE DANÇA - Robson Jacqué (Residência com John Henry Gerena)
Robson Jacqué fez de Tessituras um trabalho sensorial. Nele corpo é pintura, rascunho na parede, resíduos, indícios. Priorizou na cena a relação que desloca o corpo transformando-o, na busca por outras tessituras de dança.

De longe, para quem estava na platéia, ficou forte a imagem de um ser de outro planeta, um corpo com vestimenta ambígua. Lá no palco de fundo do palco principal, Robson percorreu o espaço com movimentação lenta  e, por vezes, articulada, produzindo imagens e sombras. Que movimento de dança, então, podemos perceber nesse movimento da pintura?

O corpo pintava a parede e nessa ação ganhava cores e misturas. Pele de camaleão. Contudo, só a analogia do corpo como pincel não dá conta, precisamos ir mais fundo. Se Robson assim a quis, precisa expandir esse estético enquanto forma que se configurou em Tessituras. O próprio nome dá indícios. Que tessitura tem esse corpo que dança pela pintura?