quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Dança que (se) faz (na) escola?!



Mobilizar a dança como área de conhecimento faz necessário reconhecer a importância das escolas de dança como espaços de iniciação e também de oportunidades. Justamente pelo seu caráter artístico pré-universitário e, principalmente, para questionarmos o que vem a ser formação em dança, ou seja, úma formação que tenha como perspectiva ensino sistematizado e ação pedagógica juntos, que pode se desdobrar em ação social.

Há nisso uma tensão que se situa entre o artístico e o social, e que pode ser produtiva quando conectada com a contemporaneidade que nos engenha diariamente. Parto de uma experiência pessoal, com certas similaridades com a Escola de Dança de Paracuru, encabeçada por Flávio Sampaio, para entendermos um pouco que dança se faz, ou é possível ser feita, no contexto dito escolar ou pré-universitário.

Há alguns anos atrás, na época do extinto Colégio de Dança (1999-2002), fiz parte de uma iniciativa singular e que somente hoje é possível avaliar alguns dos bons efeitos. De uma audição "mal" sucedida, fui convidado a fazer parte da chamada Escolinha de Dança, idealizada e coordenada por Flávio Sampaio, durante o ano de 2001, com cerca de 20 rapazes. Funcionava bem mais cedo, entre 7h30 e 9h, período que tínhamos aulas de balé em uma sala de ensaio no Theatro José de Alencar, mesmo local das aulas dos alunos regulares do “Colégio” e com alguns dos quais, apresentamos, no final do mesmo ano, a remontagem do Bolero de Ravel, de Maurice Bejart, na Praça Verde do Dragão do Mar. Com o fim do Colégio, a escolinha tornou-se o Centro de Experimentações em Movimento, o CEM, desde o inicio até hoje sob a orientação da coreógrafa Silvia Moura.

Foi nesse contexto que conheci pessoas e idéias da/de dança de um modo mais regular e que me fez confrontar desejos, construir pressupostos e questionar motivações em relação às limitações e potencialidades de um corpo que queria dançar. Foi nele também que recebi meu primeiro cachê, de entender que viver de dança não é coisa boba, mas uma realidade difícil no contexto brasileiro-cearense.

Percebi demandas que ainda hoje norteiam meu olhar crítico para a dança no Ceará e no Brasil como, por exemplo, a ênfase na formação em balé clássico e pouca reflexão sobre a impossibilidade do corpo neutro. Muitos, infelizmente, ainda acreditam nisso, que tem a ver com um educar para dançar no sentido de apenas mecanizar o corpo, desconsiderando a existência de outros caminhos que priorizam a ação continuada e que não negam a relação histórica, cultural, estética e política dos corpos-que-dançam com os contextos em que mantém diálogo incessante.

Como alerta a pesquisadora e crítica de dança Helena Katz, partindo da teoria corpomidia (também de Christine Greiner), as diferenças tendem a enriquecer o processo de contaminação entre corpos e ambientes relacionais. Logo, devemos levar em questão que somos resultantes de processos civilizatórios oriundos do vigoroso histórico da colonização européia.

Para isso, faz urgente um saneamento de pressupostos que reforçam a idéia de um jeito brasileiro (ou cearense) de dançar. Desdobrando essa bobagem identitária, vêm à tona outras como “o nosso povo é um povo dançante” ou que “nossa dança tem a autenticidade de nossas raízes”.

Quando se trata de um projeto de formação, tais crendices são perigosas, pois criam embalagens boas de vender, mas que pouco ajudam a problematizar o dançar na tensão entre o artístico e o social, o que deve, ou deveria, ser o horizonte pedagógico na formação em dança.

Sei que há algo mais a dizer...mas, por enquanto, é isso.

domingo, 30 de novembro de 2008

Cia. Dita (con)testa o fazer coreográfico *



De que se trata o exercício coreográfico em dança hoje? A pergunta pode parecer simples quando feita a coreógrafos, bailarinos, dançarinos, intérpretes e outros profissionais da dança. No entanto, é uma questão que permite uma gama de respostas. Mais que isso, quando formulada no contexto de uma “dança teatral” (ou espetáculo de dança), a força do seu fazer denuncia ambigüidades e contradições. No caso de Óbvio, novo trabalho da Cia. Dita, que encerra temporada neste final de semana, no teatro do Sesc Senac Iracema, tal reflexão é permeada pela idéia “coletivo sem fala”: cinco corpos tecnicamente preparados que se lançam no desafio de mostrar poéticas individuais em quatro solos, tendo o olhar como estratégia para se conectar ao outro, dentro ou fora da cena.

Mas o que é, então, uma coreografia? Apenas ação de executar passos ordenados? Como os processos são visíveis nas resultantes artísticas? E a técnica, é simplesmente estar apto, algo que determina a criação? O que está por trás das escolhas feitas por quem coreografa, onde quer chegar ou para onde quer levar o público? E mais, como isso repercute (e é assumido ou não) nos corpos dos bailarinos? É possível um coletivo sem fala?

Diante disso, a recente montagem da Cia. Dita, dirigida pelo coreógrafo Fauller, é um marco em sua trajetória. Primeiro porque opta por outro formato de apresentação mais próximo do público. Segundo, os passos de balé são assumidos como escolhas estéticas intimamente relacionadas com idéias coreográficas e desejos artísticos. Terceiro, os bailarinos-intérpretes Wilemara Barros, Marcelo Hortêncio, Reinaldo Afonso e Lairton Freitas (convidado da Cia. de Dança de Paracuru) são co-criadores, ou seja, autobiografia e criação alimentando-se mutuamente. Por conseguinte, as resultantes são corpos que testam e contestam o que vem a ser o dançar junto(s) e, com isso, propõe uma alteração do entendimento do “coreografo” como função rígida para o “coreográfico” como espaço de articulação de atividades, processos, produtos, dramaturgia, ensino, etc.

Mas que tipo de dança queremos fazer e ver? Quais são as (im)possibilidades de criar? O que fazemos do que criamos? Que nível de atenção devemos ter para perceber emergências de outros significados? Como transformar ação política em formas de dança, individual e coletivamente? Do que necessitamos para abordar certas questões através do trabalho coreográfico? Como desromantizar as (nossas) práticas artísticas?

Os trabalhos anteriores da companhia sinalizam para tais inquietações. Destaco alguns momentos. De-Vir (2002), obra de maior repercussão, foi reapresentada na edição deste ano do Festival Internacional de Dança – FID, em Belo Horizonte (MG), como também, ano passado, foi o alicerce para uma residência artística que resultou na remontagem do trabalho, fazendo parte ainda do Festival Move Berlim 2007, na Alemanha. Em 2005, junto com Carlos Antonio dos Santos (CE) e Wagner Schwartz (MG), Fauller estreou Cover, de Rachid Ouramdane, na capital cearense e depois saiu em temporada pela Europa. Atualmente, a Dita é mantida com apoio anual vindo de edital da Seculfor (antiga Funcet), na categoria manutenção de grupos, o que vem possibilitando a realização de atividades de formação e residências artísticas.

Os deslocamentos dessa temporada também são oportunos. Estreou no mesanino do Alpendre, na Rua José Avelino, onde a interferência sonora era intensa. Depois se apresentaram na sala de dança do curso técnico do Senac, que funciona no Sesc Senac Iracema, cujo isolamento acústico criou outra ambiência para o trabalho. Agora, no mesmo local, encerra temporada, mas no teatro, formato mais próximo da caixa preta (mas sem o nível alto do palco italiano), enriquecendo mais ainda o que pode ser material futuro de investigação. Justamente para ponderar: somos efetivamente os agentes de nossa própria vida e das suas condições?

Hum..., tudo isso parece óbvio, mas não é.

*Esta crítica foi publicada no Caderno 3, do Diário do Nordeste (CE), em 29.11.2008. Disponível em http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=594059.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

As Artes Visuais têm muito a aprender
com a Dança, não só o contrário



O evento Terceira Margem, que aconteceu nos últimos dias de outubro desse ano, em Fortaleza, pontuou a relação corpo e imagem para articular artes visuais e dança, como sua convocatória enfatizou, ao selecionar mostras de vídeo, performance, instalação e intervenção urbana. Mesmo não se tratando de um evento de dança, ele está diretamente vinculado à dança quando se fez realizável como ação ligada à Bienal Internacional de Dança do Ceará, nos seus anos não-oficiais (Bienal de Par em Par). Logo, não tem como "não olhar" para este evento cultural sem essa desconfiança-questionamento.

Dessa breve e frágil introdução, é que levanto a seguinte questão pertinente para a dança como campo de investigação artística, cientifica e, mais abrangente, a acadêmica: como pensar as especificidades da Dança, a partir da relação com as Artes Visuais? Em especial, o que vêm a ser uma instalação ou intervenção urbana que se configure como um conceito de e para a dança, mesmo que provisório e circunstancial?

Partindo do pressuposto de que a dança é uma ação cognitiva e performativa (e não simplesmente performática), levanto algumas hipóteses já demonstradas por artistas brasileiros, alguns deles presentes no Terceira Margem, hipóteses estas que aqui não se esgotam, mas que funcionam como ativadores de debate, já que não é possível abarcar tudo sozinho e num só momento. Logo, ressalto, o que almejo é criar uma ambiência para um bom diálogo. Vamos lá, então.

Martha Soares e seu “Banho”, por exemplo, foi uma boa oportunidade de se perceber a dança na versão instalação, apesar de sua apresentação não ter tido a mesma força artística quando o foi em sua estréia, em 2000, pelo Rumos Dança, projeto do Itaú Cultural, muito por conta da “nova” organização cênica – espaço menor e em conjunto, distinto do que foi anos atrás, em espaços físicos separados, onde o publico transitava entre eles. O que foi também um bom teste para o Espaço Cultural da Caixa, ao lado do Centro Dragão do Mar.

Outro exemplo é Paulo José, com seu "Estudo para Cinderela", que aproximou mais do que pode ser uma instalação de dança quando vista como algo que se organiza no corpo em ação, de uma corporalidade que é resultante de processos e acordos em tempo real. Quero dizer, uma dança que, para ser dança, acontece no e pelo corpo.

Agora pensemos nos trabalhos de Vera Sala com seu corpo-objeto em investigação há alguns bons anos, desde seu "Estudo para Macabéia", até mesmo para refletirmos sobre as singularidades desses dois trabalhos que trazem em comum a idéia de “estudo”, mas com enfoques-personagens bem distintos: Macabéia e Cinderela. Ou melhor, um estudo da lógica-corpo dessas duas personagens: uma que se nega mas não se anula por completo; a outra, que tem o “sapato de cristal” como dispositivo para o corpo organizar-se e trazer à tona as relações metafóricas (não só por analogia) já presentes no imaginário coletivo de todos nós, e, de modo geral, o encontro com a dita felicidade (diga-se, o dito príncipe encantado).

Já para ser intervenção, talvez tenhamos de olhar de outro modo o "Estudo para Cinderela", que se nomeia (e foi nomeado) como “intervenção”, para que o mesmo se perceba e se questione, seja percebido e questionado. Pois acredito que intervir não é simplesmente sugerir relações, nem se validar somente por ter sido realizado nos terminais de ônibus de Fortaleza.

Assim, para se fazer intervenção, é necessário criar estratégias eficientes para que a mesma aconteça. Algo que, em seu processo, precisa de uma boa observação do local, algumas ponderações sobre que ênfases-hipóteses são desejadas pelo artista e o ato vivo (e político) da intervenção.

Continuemos...

domingo, 12 de outubro de 2008

Partilhas críticas




Um breve intervalo de alguns meses. Tempo de ruminar idéias e reavaliar expectativas.

De volta agora, pretendo tranformar este blog num espaço de vazão, um lugar de partilhas críticas, não no sentido de apartar, mas, como argumenta o filosófo Jacques Rancière, de uma ação que deseja comugar sensibilidades.

Talvez escreva sobre algum espetáculo, talvez escreva sobre alguma ação que permeie a dança e que dela emerge alguma investigação tanto artistica como científica, na perspectiva de um revezamento permanente entre teoria e prática. Algo que não é fixo, mas que tem como pressuposto básico de que o exercicio crítico é uma "síntese transitória de relações circunstanciais" (Fabiana Britto, 2007).

Justamente por acreditar que a crítica especializada de dança não se restringe ao que sai ou não no jornal impresso, mas de uma tentativa de encontrar outros formatos e modos para uma atuação mais ética e política, longe de apenas uma questão de gosto pessoal.

Esforço que é coletivo e que almeja construirmos outras relações com o mundo em que vivemos e que dele sómos cúmplices.

domingo, 8 de junho de 2008

Objetividades subjetivas da crítica
(ou seria subjetividades objetivas?)



Como pensar uma objetividade para a crítica, considerando o seu caráter subjetivo?

De outro modo, como a crítica pode, de fato, contribuir para a produção de saberes quando ainda persiste a questão do gosto pessoas, mesmo com todos os cuidados?

No workshop, isso ficou nítido nas sutilezas.

Os críticos profissionais, quero dizer, os que estão vinculados a um jornal ou revista, o que não é o meu caso, pois sim, tais críticos tendem a ser mais seguros (self confident) sobre suas "opiniões", talvez uma sensação de segurança por conta de estarem representando um veículo.

Tem ainda os artistas que discutiam e interrogavam sabiamente coisas como o que é dito pelo crítico não está na obra ou que o crítico não conseguiu entender nada, aí "cria" um discurso qualquer que legitime.

Tem ainda os críticos-artistas, cada um com um nível de atuação específico, que se colocavam no entre, de tentar argumentar a partir de suas experiências de deslocamento entre ambas atuações.

Nesse embate, que prefiro entender como confronto de diálogos, alguma questões foram colocadas e servem para futuros diagnósticos e diálogos:

- O crítico é a pessoa mais habilitada para compreender o trabalho do artista. Já o próprio artista não.
- A crítica fala de coisas que não estão na obra, mas ao falar isso, tais coisas passam a pertencer ao olhar do leitor e, de alguma forma, à propria obra.
- A crítica tem pouco espaço nos jornais e revistas impressos, sendo a internet a grande saída para essa suposta crise do exercicio crítico.
- A internet, no entanto, tem suas limitações pois é também um extremo, o de ter muito espaço no qual a interatividade, geralmente, só dura algumas horas ou dias.
- O trabalho do crítico e do programador se confundem, tendo o programador, muitas vezes, mais habilidades de legitimação de suas escolhas.
- Os festivais seguem a mesma lógica da nossa sociedade capitalista: muitos espetáculos e muitas novidades, sendo impossivel desacelerar a rotina, nem desestabilizar as expectativas.

Há ainda outros aspectos que, a partir desses, irem logo mais pontuar, questionar.

PS: Que (pre)potências tem a crítica?

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Alguns devires críticos


Nessas tardes de discussão, alguns comentários serviram de input para o debate, e aqui estão:


I. China, de Willian Young (Austrália):

A performance teatral China, apresentada no último dia 03, no Museu do Oriente, permite-nos refletir sobre o contexto da China, a partir do olhar humanizante. Pois quando William Young conta sua história, ele próprio atualiza aquilo que foi vivenciado por ele em outro tempo, colocando em discussão o caráter ficcional do documentário como modo de organização cênica e artística. Logo, falar do passado é presentificar. Está ai a importância de um trabalho de caráter autobiográfico e documental dentro de um festival majoritariamente de dança. A performance também traz a discussão sobre identidade cultural quando o contador de historia é um chinês nascido da Austrália, logo, sua identidade não é fixa e o que faz dele chinês-australiano são aspectos bem mais abrangente e que tem a ver com homossexualidade, movimento de libertação, contexto familiar. Aspectos relacionados com um processo complexo que é a mestiçagem cultural, de entender essa rede de relações que fazem a singularidade do ser humano não ser apenas genética e geográfica.

II. Speaking Dance, de Jonathan Burrows e Matteo Fargion (Reino Unido & Itália):

Interessa-me muito esses outros modos de organização da relação dança e música. O trabalho Speaking Dance, apresentado também no último dia 03, no Museu da Eletricidade, no Bairro Belém, revelou-me, inicialmente, um estudo de percussão, onde o elemento música está mais visível do que o elemento dança, este mais sutil. Então, questiono: como perceber a sutileza desse falar sobre dança quando o que vemos cenicamente se organiza como música, palavra falada e palavra cantada? Acredito que é como os gestos se organizam, como os dois performers interagem com o que vai sendo dito e falado. Não ver o habitual é o que faz da peça um desafio intrigante para o público, não de um decifrar, mas de tentar entrar nesse jogo da dupla, semântico (as relações de significação) e semiótico (estudo dos signos / gestos). Um jogo que é uma brincadeira prazerosa de falar de dança de outro jeito.

III. to be SE(r)QUENCES, de Zoitsa Noriega e Magdalena Sloncova (Colômbia & República Tcheca):

Dança e artes plásticas encontram-se nesta peça. Dois corpos a executar tarefas. Digo tarefas pois, ao que parece, a ação metódica (serial, passo a passo) define a dramaturgia da peça. Mas to be SE(r)QUENCES é mais que isso e guarda um sentimento político nos detalhes dessas aparentes "seqüências" de ações, algo mais que um simples ato mecânico. E é justamente nesse guardar, ou seria resguardar, que está uma certa relevância artística da obra. Pois há um hermetismo na peça, que as informações postas na cena não são suficientes para que os almejados propósitos políticos efetivem-se esteticamente. O uso do papel talvez seja a informação-chave, que o uso recorrente do papel traz a idéia de invólucro, de um ocultar ideologias, de um camuflar-se para sobreviver. Bem como a pichação que fazem, de rostos de pessoas como uma multidão silenciada dos noticiários em preto-branco. Uma leitura de caráter semiótico que revela indícios de algo que está lá na cena, mas em potência, um devir, um vir a ser político. Faz então necessário entender um pouco do seu contexto, ou seja, o contexto cultural de onde vêem e com os quais as duas interagem. São eles: a Colômbia e a República Checa, sendo a obra um terceiro contexto, um entre-lugar (termo utilizado pelo teórico Homi Bhaba e se refere a espaços transculturais caracterizados pela indefinição). *A saber, Zoitsa e Magdalena encontraram-se durante o projecto coLABoratório - Encontro Sul-Americano Europeu de Coreógrafos, organizado pelo Festival Panorama de Dança (Rio de Janeiro) entre Novembro 2006 e Março 2007, em colaboração com ArtsAdmin (Londres), Theatre Institute Prague e Alkantara Festival. Durante a última fase do projeto, criaram juntas a peça to be SE(r)QUENCES, desenvolvida a partir do desejo de trabalhar num lugar vazio com materiais extra-corporais (papel) e imateriais (vento).

domingo, 1 de junho de 2008

Homo Ficcionalis: Somos cobaias de que(m)?


O primeiro dia de discussões do encontro, na última sexta-feira, foi sobre a performance Banquete, de Patrícia Portela (Portugal), sobre a qual discorro provocativamente.

Numa apresentação especial, tida como "ensaio aberto" ou "pré-estréia", Banquete é uma performance que se define como um projeto artístico transdisciplinar que trata da problemática da experimentação com seres humanos para pesquisas científicas. Partindo disso, tem-se o real e o não-real organizam-se, performática (ação cênica) e performativamente (fazer-dizer), como um ritual gastronômico de ficção científica. De onde surgem algumas inquietações: quais os limites de um experimento com seres humanos? Que clareza deve ter tais limites quando se tem em perspectiva as relações bioéticas? O que pode ou não ser admitido, o que pode ou não ser feito? Somos cobaias ou somos cúmplices desse ritual? O que comer, o que não comer e por que comer?

Experimento remete à idéia de cobaia, "rato de laboratório". O estranhamento causado a cada prato servido, a cada nova situação gastronômica. Pois, o que parece alimento é, na verdade, um procedimento de testes. Pessoas sujeitadas as mesmas condições acabam por desenvolver padrões de comportamento comuns e diferenciados. Ambos são importantes quando tudo pode ser um dado revelador. Não se trata de punição, como em alguns momentos ocorreu, quando o numero de alguém foi anotado (ao entrarmos, éramos numerados), como também uma simples tosse já é tida como motivo para separação ou possibilidade de contaminação coletiva. Trata-se sim de dados a serem verificados, percebidos, via ação de observação e intervenção. Por conta disso, a dramaturgia configura-se como um ambiente ficcional onde memória, ancestralidade e clonagem dialogam, todo o tempo, oscilando entre o irônico, o cômico e trágico.

A saber: a performance foi apresentada no salão nobre do Palácio Nacional da Ajuda. Conhecido também como Paço de Nossa Senhora da Ajuda, esse palácio é um monumento nacional português, situado na freguesia da Ajuda, em Lisboa. O antigo Palácio Real é hoje, em grande parte, um magnífico museu, estando instalados no restante edifício a Biblioteca Nacional da Ajuda, o Ministério da Cultura e o Instituto Português de Museus.

(Foto: Giannina Urmeneca Ottiker)

sábado, 24 de maio de 2008

Se um viajante...

Dia 28 de maio, inicio a travessia para Alkantara Festival (Lisboa, Portugal). E fico por lá por dez dias - participando de um workshop internacional* - e alguns outros poucos - para flanar pela cidade.

Na mala e no pensamento, levo o que consegui construir nas adversidades dos últimos três anos, oscilando entre "acelerar a rotina" e "desestabilizar expectativas".

Pois, se como jovem crítico de dança brasileiro-alagoano-cearense-baiano, se como alguém que dança para engenhar um corpo crítico, tenho algo a fazer sim, e digo: tenho muito a dizer e muito mais ainda a aprender.


* Participam do workshop internacional da TEAM Network - Transdisciplinary European Art Magazines, dez jovens críticos e artistas que, este ano, compõem o grupo de convidados que irão pensar o Alkantara Festival (Lisboa, Portugal): Florent Delval (França), Andreja Kopacj (Eslovénia), Joubert Arrais (Brasil), Anthoni Dominguez (França), Panaibra Gabriel (Moçambique), Danya Hammoud (Líbano), Paula Diogo (Portugal), Nelson Guerreiro (Portugal), Ana Bigotte Vieira (Portugal) e Vvoitek Ziemilski (Polónia). De 30 de Maio a 7 de Junho, e sob coordenação de Gwénola David (Mouvement, França) e Nayse Lopez (idança, Brasil), os dez participantes irão acompanhar o festival e discuti-lo em sessões diárias internas que conduzirão a uma apresentação pública no dia 7 de Junho às 13h no Ponto de Encontro.